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Quem tem medo do Moro Mau?

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    Serra Oliveira Advogados
  • 6 de abr. de 2015
  • 3 min de leitura

Atualizado: 7 de mai. de 2020

Autor: Rafael Serra Oliveira

Data de publicação: Segunda-feira, 6 de abril de 2015



Era uma vez uma democracia, ela era jovem, linda e tinha apenas 26 anos. Como todos os jovens, era imediatista, imatura e tinha os seus exageros. No seu nascimento, foi orientada por sua mãe, Constituinte, a ser livre e a encontrar a casa da sua sábia avó, chamada maturidade democrática, onde deveria ficar para sempre.

Em 1988, a mãe disse a ela:

– Querida democracia, cuidado no trajeto até a casa da sua avó, muitos perigos e desafios aparecerão. Por isso siga sempre pelo caminho da Constituição, é o único seguro. Para você saber que está na direção correta, nunca perca de vista a as garantias dos cidadãos. Lembre-se sempre da importância do direito de Defesa, da presunção da inocência, do duplo grau de jurisdição e da excepcionalidade da prisão cautelar. Se essas garantias começarem a diminuir, pare! Esse é o sinal de que está indo de encontro ao seu inimigo popularmente chamado de ditadura. Lá há abusos, torturas, prisões para averiguação e o poder supremo e descontrolado de autoridades.

A democracia partiu, assim, confiante pelo caminho da Constituição. Como não poderia deixar de ser, os primeiros percalços apareceram logo, inclusive um presidente eleito pelo povo foi deposto. Mas, ufa, também pelo povo. Ela ainda estava no caminho certo. Depois surgiram denúncias contra pessoas que deveriam cuidar do caminho da constituição, a corrupção de membros do Estado era enorme e precisava ser combatida. Mesmo diante disso, era comum ouvir do judiciário: – São nos casos mais difíceis que a guarda da Constituição e das garantias dos cidadãos se faz mais necessária. Lembrando-se das palavras de sua mãe, a democracia via o respeito às garantias individuais e sabia, assim, que seguia pelo caminho correto.

Certo dia, enquanto seguia pelo caminho da Constituição, Democracia encontrou um homem togado de aparência séria e ar confiável. Apresentou-se e perguntou como ele se chamava:

Sou o Moro Mau. Para onde está indo jovem democracia?

Estou procurando a casa da minha avó, maturidade democrática. Minha mãe me disse que seguindo pelo caminho da constituição vou encontrá-la.

– Ah, democracia. Eu sei onde fica a casa da sua avó, mas o caminho pela Constituição é mais longo. Venha por aqui, conheço um atalho.

Desavisada e encantada pelo discurso do Moro Mau, que jurava chegar à maturidade democrática por um caminho mais rápido, mais justo e mais efetivo, a Democracia começou a segui-lo, sem perceber que, a cada passo, afastava-se de seus ideias e princípios.

Pelo atalho, Moro Mau explicou-lhe que, pelo seu caminho, tudo era obtido mais facilmente:

Sim, por aqui tudo é simples. Por exemplo, se quisermos obter alguma informação podemos prender a pessoa como meio de tortura psicológica. Com esse expediente, fique tranquila, normalmente eles falam o que queremos… e ainda delatam outros. É excelente. Mas se não o fizerem, sempre podemos determinar a prisão de algum familiar… é, esses dias prendi o filho para tentar fazer o pai confessar. É fantástico! Mas nem tudo é maravilhoso, alguns bradam o respeito à Constituição. São chatos, viu. Falam de defesa, que precisam ter acesso às provas, que devem ser ouvidos sobre a acusação antes de começar a ouvir as testemunhas. Olha que absurdo! Uns chegam até a dizer que eu não posso julgar casos que aconteceram em outras cidades e estado por causa de uma tal regra de competência. Cuidado, hein. Não se deixe enganar por esses chatos constitucionalistas. Vou te ensinar como lidar com eles: finja que os escuta, dê uma decisão muito complexa para quem vê de fora não entender e, mais importante, faça um discurso populista de guardião da moral e do justo. Todos virão com você. Até hoje, com essa tática, todas as minhas decisões foram aplaudidas e mantidas. E agora que já tenho o apoio popular, quero acabar com esse negócio de precisar de trânsito em julgado para cumprir pena.

A jovem democracia, fascinada, se deixava seduzir, pensando: – E a mamãe falava que o único caminho seguro é o da Constituição? Quanta baboseira! Ainda bem que encontrei o Moro Mau, que é um verdadeiro salvador, um paladino da justiça, como dizem por aí.

O que a democracia não percebeu é que as garantias individuais estavam ficando distantes, assim como a casa da sua avó. A presunção de inocência já não se via mais. A ampla defesa estava muito distante. O atalho não levava à maturidade democrática, mas sim a uma nova roupagem de 1964. Ao seu redor já era possível ver pessoas com plaquinhas dizendo “ditadura militar já”. Mas encantada com o Moro Mau, ela não percebia esses sinais. Continuava seguindo-o por seu atalho. Ela não tinha medo do Moro Mau… ainda…

 
 
 

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